Eu e a galera do Social Zero no estande da Logos Livraria.

Eu e a galera do Social Zero no estande da Logos Livraria.

Neguim acha que a vida é braba. Tem neguim que vê injustiça em todo o canto. E não é que neguim ta certo? Mas tem neguim pensando errado também.

Mas tem neguim que acha normal usar a palavra “neguim”, para designar um sujeito desinformado, malandro, o bobo, o cara que fatalmente vai se ferrar.

“Neguim” geralmente vem seguido das palavras “faz” e “merda”.

– O Brasil devia estar melhor, mas “neguim faz merda”…

– Neguim e branquim, respondo.

– Ah, cara! É modo de dizer, né?

O pior que não é modo de dizer. É modo de pensar.

Durante o polêmico e controverso protesto de Paulo Coelho, que diz ter se recusado a ir à feira internacional do livro em Frankfurt em solidariedade aos seus colegas autores mais vendidos no Brasil, reparei a falta de negros na lista de 70 nomes. Aliás, apenas um, Paulo Lins, autor de Cidade de Deus e um índio, Daniel Munduruku.

Mas os critérios utilizados para escolhas dos autores foram a relevância de suas obras.

Minha insatisfação é injustificada, porque eu não tenho sequer 10 nomes de autores negros e índios para sugerir para a lista, fechada desde março deste ano. Isso é reflexo da minha educação? Desinformação, talvez? Discordo!

Se me pedirem 20 nomes de jogadores de futebol negros eu te diria, mesmo não gostando de futebol (tá certo que eu iria demorar, mas consigo).

Eu usei Frankfurt nesta conversa apenas para pontuar a minha situação. No mesmo dia em que meus colegas escritores estavam em Frankfurt e outros colegas não estavam, eu estava na Bienal Capixaba do Livro, em Vitória, Espírito Santo, minha terra natal.

Eu não sei como dizer o quanto estou decepcionado com o que vi. Vitória, um lugar paradisíaco, já foi considerado o 3º lugar em qualidade de vida, tinha como “feira do livro” uma área coberta com toldo, que cobria parte do estacionamento do Shopping Vitória.

Havia apenas uma ou duas editoras por lá, o resto eram distribuidoras e livrarias.

O espaço, na maior parte do tempo vazio, chega a ser assustador. Eu sei que esses tipos de comentários sobre a terra natal parecem “ingratos”, mas o espaço da Bienal Capixaba é, proporcionalmente, do tamanho da área de alimentação da Bienal do Rio.

Um espaço que para mim funcionou foi o Espaço do Escritor Capixaba. Vendas a dinheiro apenas, mas quem quisesse expor seus materiais ali era apenas chegar, deixar seus livros, o preço e pronto. O espaço ficava com 10% do valor, a título de administração. Lindo.

Apesar do tamanho e da falta de pessoas, a sexta edição da Bienal Capixaba do Livro seria uma boa experiência, até o momento em que eu devia assinar meus livros “A Corrente”, “Hector & Afonso – Os Passarinhos” e “Os Passarinhos e Outros Bichos”.

Numa mesa dentro do estande da livraria Logos, lá estava eu: um negro sentado à mesa com livros expostos com o seu nome, blusa preta e uma gravata verde (sim, usei).

Apesar de todos os funcionários da Logos (a maioria negros) estarem devidamente identificados por uma camisa branca com a logo da livraria e credencial, recebi minha “primeira” visita:

– Posso sentar aqui? – Uma senhora chegou, conversando com uma pessoa.

– Hã… – antes mesmo que eu pudesse responder, ela sentou-se à cadeira ao lado, escreveu um telefone para uma amiga atrás de um cartão, apoiada à mesa com meus livros.

– Não vou demorar nada.

– Tá, é que eu estou assinando meus livros.

– Ah, está? Eu sou escritora também!

Até aquele momento me pareceu que apenas escritores estavam na Bienal. Isso justifica as 45 cabeças andando dentro daquele toldo.

Ela me falou do trabalho que desenvolvia e deu o golpe:

– Que tal eu assinar seu livro e você assinar o meu?

Eu não lembro o que falei, mas acredito que tenha sido um não, porque ela pediu apenas para tirar uma foto comigo.

– Nós, autores, precisamos nos ajudar, né? – E foi embora.

Minutos depois:

– Você trabalha aqui? – Uma mulher com um livro na mão.

– Na verdade, não sou funcionário da loja… Mas estou trabalhando. Estou autografando meus livros.

– Então, você não pode me ajudar… – A mulher me deu as costas e seguiu à vida.

Aí chegou uma galera do blog Social Zero, que acompanha meu trabalho, e comprou uns livros, fez festa, tiraram fotos. Uma galera na batalha, como todo mundo que faz cultura, mas sem perder o sorriso.

Outras duas pessoas também me pediram informação sobre livros expostos em todas as prateleiras, além de um garoto que queria que eu soubesse onde estava o livro Diário de um banana. – O do filme, disse ele.

A conclusão louca que eu tiro disso é que as pessoas não estão reparando, não associam mais as informações, elas apenas fazem uma análise superficial do que parece ser.

Três funcionários negros trabalhando na loja, mais um sentado na frente de livros? Claro que é funcionário!

borrada

Aliás, não há nada de mal em ser funcionário, assim como não há nada de mal uma médica cubana ter “cara de doméstica”, como uma jornalista colocou no twitter.

Nós, autores de começo de carreira, somos vendedores também. Thalita Rebouças foi uma vendedora incansável dos seus livros no começo de carreira. Hoje apenas o seu nome é o bastante para encher lugares.

Mas o preconceito em ver ali um autor como um funcionário baseado em sua aparência é triste e reflexo de uma educação precária e perpetuação de um modelo de sociedade em que quer os negros em atividades que eles consideram “adequadas” à cor.

Ah, as vendas foram boas, viu? Tem neguim que sabe vender seu trabalho.